O Pedro e a Joana estão juntos há sete anos, mas ainda têm alguma vergonha de admitir que se conheceram no Tinder. São apenas 1 dos cerca de 1,6 mil milhões de swipes feitos por dia em todo o mundo, e o facto de ainda estarem juntos faz deles uma espécie de exceção estatística. Mas no mundo real, o Pedro e a Joana são tão comuns e aborrecidos como o nascer do sol. Se não tivessem ficado juntos com aquele swipe right de há sete anos, os números mostram-nos que o mais provável é que acabassem por encontrar outro parceiro igualmente excitante.

Para Caroline, no entanto, o Pedro e a Joana são o que ela chama "endoutrinados" ou "ovelhas". Não por serem um casal modelo dos relacionamentos amorosos do século XXI, mas antes por serem só mais duas pessoas iguais a tantas outras, que se podem dar ao luxo de fazer swipes a torto e a direito, que não questionam o que as rodeia. Pessoas que, ao contrário de Caroline Walter, acreditam que a Terra é redonda.

Caroline rege-se por um sistema de crenças pouco habitual: é uma flat-earther e acredita que a Terra é plana e não redonda. No mundo virtual como no real, é uma exceção estatística que o Tinder dificilmente pode ajudar a corrigir. "As pessoas dizem que no mar há muito peixe, mas eu nem tenho um riacho para ir à pesca. É como se andasse à procura de um unicórnio: sinto que nunca o vou encontrar, mas também não me apetece desistir", disse em entrevista à Wired Magazine.

Como é que se encontra então o amor quando nem o Planeta Terra nos faz a vontade? Com a ajuda da Internet, amigos e muita paciência. "Eu tenho um grupo virtual de amigos muito próximo, mas na vida real... ninguém quer ter nada que ver comigo", desabafa.

Quem são as pessoas que se recusam a acreditar que 2+2 = 4?

A internet está cheia de relatos que ecoam os sentimentos de Caroline. Lemos sobre pessoas que lutam para manter a conversa com os amigos de sempre, sobre casais há muito juntos que não resistiram à descoberta de uma Terra Plana, ou até de namorados terraplanistas que se separam porque um dos membros acredita com mais fervor do que o outro. "Foi o meu namorado que me falou [desta teoria], mas ele recusava-se a aprender mais e a ir a encontros de flat-earthers comigo. Acabámos por nos separar", lê-se no testemunho de Dottie Sutherland, 32 anos, feito à Wired Magazine.

Sabemos que a comunidade de flat-earthers está espalhada um pouco por todo o mundo, mas é praticamente impossível contabilizar todos os "filiados" nesta teoria. Em Portugal, por exemplo, a maior parte das páginas ligadas ao movimento da Terra Plana parecem ter deixado de lado esta teoria para veicular um majestoso potpourri de teorias da conspiração: do perigo das vacinas à cabala satanista, sem esquecer a omnipresença de George Soros nas sombras que governam o mundo, encontramos de tudo. Mas bem aqui ao lado em Espanha, existe pelo menos um YouTuber com mais de 480 mil seguidores que acredita que a Terra é plana.

"A maior parte dos terraplanistas ainda está "dentro do armário" e muitos deles estão em relações com pessoas que não acreditam nas mesmas coisas, admite Mark Sargent, poster-boy do movimento Flat Earth e protagonista do excelente "Behind The Curve". "São como bombas-relógio à espera de rebentar", conclui.

Entre as dezenas (possivelmente até centenas) de milhares de crentes, as posições variam. Alguns acreditam que as provas são tão óbvias, que qualquer glober se vai converter ao movimento após algum tempo numa relação com um flat-earther. Outros apelidam as relações entre flat-earthers e globers de "tão impossíveis e falsas como relações entre pessoas hétero e homossexuais".

Também há quem prefira arriscar um casamento em coabitação com uma teoria tão louca como esta. Que o diga o engenheiro Mackenzie (nome fictício), casado há 20 anos com uma mulher a que chama carinhosamente de glober, e para quem o casamento só tem um segredo: "Não falamos disso cá em casa".

Enfim, juntos

Mas como estamos na internet e na internet encontramos resposta para (quase) tudo, também conseguimos vislumbrar alguma luz ao fundo do túnel. Curiosamente, estes vislumbres chegam-nos à moda antiga, imbuídos de um espírito bem old-school e que para muitos de nós já caiu em desuso.

"Conheci a minha namorada numa festa de Halloween", "vi-o no TikTok", "cruzámo-nos pela primeira vez numa conferência", ou simplesmente "o meu primo apresentou-ma durante as férias de Natal" são as circunstâncias inesperadamente típicas que juntam os flat-earthers em relações mais duradouras. "Desde que estamos juntos que me sinto mais leve. Estamos sempre a fazer pequenas experiências, vemos vídeos sobre o movimento na net... Estamos bem juntos e a Terra Plana faz-nos mais fortes todos os dias", desabafava a terraplanista Paige em entrevista.

Quando entramos numa relação com alguém, o nosso subconsciente assume que essa pessoa partilha dos mesmos valores que nós e que a sua posição em relação às coisas mais importantes da vida nunca mude. Pensar o contrário é assustador e desencorajador, porque nos pode obrigar a mudar a nós próprios. Mas as pessoas mudam todos os dias. E se nos acontecesse a nós? E se a pessoa com que acordamos todos os dias nos dissesse que acreditava que a Terra é plana?